O nr. 1 do artigo 73.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado para 2014) estabelece que o disposto no artigo 33.º da mesma lei, relativo a reduções remuneratórias, é aplicável aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços que, em 2014, venham a renovar-se ou a celebrar-se com idêntico objeto e ou contraparte de contrato vigente em 2013, com a administração direta e indireta do Estado, Municípios e Autarquias e a outros órgãos e serviços do Estado ali discriminados.

Acontece que o Acórdão 413/2014, de 30 de maio, do Tribunal Constitucional, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 33.º, o que determina a inaplicabilidade da remissão que o referido nr. 1 do artigo 73.º faz para este normativo e assim, a inaplicabilidade das reduções remuneratórias nos referidos contratos.

Porque assim é, em alguns dos contratos de aquisição de serviços entretanto celebrados com a Administração Pública existem cláusulas onde se afirma, expressamente, que ao preço adjudicado não foi aplicada qualquer redução remuneratória, em respeito ao referido Acórdão.

Porém, no passado dia 30/06/2014 foi publicado no site da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (http://www.dgaep.gov.pt), uma “Nota Técnica”, aprovada por despacho dos Secretários de Estado Adjunto e do Orçamento e da Administração Pública, contendo questões práticas e de operacionalização relativas à forma como deverá ser implementado o Acórdão 413/2014, de 30 de maio, do Tribunal Constitucional.

De acordo com o despacho dos Secretários de Estado Adjunto e do Orçamento e da Administração Pública, agora publicado, os contratos de aquisição de serviços previstos no artigo 73.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, continuam sujeitos à redução remuneratória prevista no artigo 33.º da mesma lei.

Tal orientação técnica, a nosso ver, carece de fundamento legal pois, como se referiu, por força da declaração de inconstitucionalidade do artigo 33.º, o nr. 1 do artigo 73.º remete agora para um vazio legislativo.

Com efeito, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional (ao abrigo do nr. 4 do art. 282.º da CRP) a declaração da inconstitucionalidade de normas é equivalente à declaração da nulidade das mesmas e, neste caso, o Acórdão 413/2014, de 30 de maio, do Tribunal Constitucional, designadamente no seu artigo 99.º, não excluiu nem ressalvou dos efeitos da declaração nulidade a projeção que esta tem no artigo 73.º. O que significa que o artigo 73.º remete agora para uma norma que é nula e insuscetível de ser repristinada por um qualquer ato administrativo.

Ora, a Administração Pública, no despacho agora conhecido, ao afirmar que se aplica uma norma que sabe que é nula aos contratos de aquisição de serviços previstos no artigo 73.º, não está sequer a fazer uma interpretação analógica ou extensiva: está a desrespeitar frontalmente a decisão do Tribunal Constitucional, a usurpar as funções do legislador e a violar gravemente a confiança dos operadores económicos que legitimamente esperaram que o Estado atuasse em conformidade com a lei e com respeito pelo Princípio da Separação de Poderes.

Assim, somos de opinião que as reduções remuneratórias que venham a ser aplicadas em virtude de tal orientação técnica enfermarão de vício de violação de lei, sendo as mesmas anuláveis. Nesta medida, o despacho dos Secretários de Estado Adjunto e do Orçamento e da Administração Pública configura-nos ser um ato lesivo para as partes nos referidos contratos, suscetível de ser atacado desde já e de, caso a caso, ser reclamada a sua inaplicabilidade aos pagamentos a que haja lugar no âmbito dos contratos de prestação de serviços e contratação pública.